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A região da cidade de São Paulo que ficou conhecida pela triste alcunha de cracolândia, na Luz, concentra centenas de pessoas que usam crack, álcool e outras drogas de forma compulsiva. Na maioria dos casos, o alto grau de dependência os impede de ter consciência sobre sua real condição.

São doentes graves, que precisam de ajuda médica e psicológica. Muitos possuem comorbidades (coexistência de doenças), como Aids, sífilis, tuberculose e hepatites virais, entre outras doenças associadas.

A dependência química é uma doença crônica, tal como câncer, diabetes e hipertensão. Em estágios avançados ou quando o problema torna-se agudo, para qualquer outro problema de saúde indica-se internação hospitalar de curta ou média duração visando à estabilização do quadro. Por que então deve ser diferente com quem é usuário de drogas?

Não há espaço para discutir ideologias. A luta antimanicomial foi muito importante, mas hoje, passados 15 anos da reforma psiquiátrica, é preciso reconhecer que a rede pública deixou de criar soluções efetivas para os casos de saúde mental mais graves e extremos – e que, por sua natureza, precisam de internação e tratamento intensivo, com medicamentos e equipe multidisciplinar.

Não se preconiza internações indiscriminadas de dependentes químicos, mas elas devem ser indicadas quando o caso é realmente grave, colocando, inclusive, em risco as vidas dos pacientes.

Na cracolândia, mais de 80% dos dependentes que são encaminhados ao Cratod (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas) são classificados como doentes graves e que precisam de internação em serviços especializados. Necessitam de um período de abstinência mínimo, de desintoxicação, para depois seguirem o tratamento em nível ambulatorial ou, em alguns casos, em comunidades terapêuticas que irão ajudá-los a voltarem à rotina do dia a dia, reinseridos na sociedade. Esse índice, altíssimo, decorre da condição gravíssima de debilidade psíquica e física dos usuários que frequentam a região.

O mesmo percentual de internações recomendadas para dependentes químicos não se observa em relação a pacientes que chegam por demanda espontânea ao Cratod, via serviço telefônico do Programa Recomeço ou mesmo aqueles encaminhados pelos Caps (Centros de Atenção Psicossocial).

No Cratod há uma Unidade de Acolhimento e um serviço judicial, composto por médicos e representantes do Ministério Público e da OAB, que visa dar maior celeridade às internações involuntárias ou compulsórias, indicadas pela própria reforma psiquiátrica para os casos gravíssimos.

Desde 21 de janeiro de 2013, quando o serviço começou, foram realizados mais de 14 mil acolhimentos e quase 8 mil encaminhamentos de dependentes para internação, 87% dos quais de forma voluntária, ou seja, com o consentimento do paciente.

Quando o usuário da cracolândia opta pelo tratamento efetivo, e numa condição grave que demanda abstinência total, a prefeitura de São Paulo o encaminha para o programa Recomeço, do governo do Estado, porque não dispõe de nenhum serviço de internação, atualmente.

Hoje são cerca de 3 mil vagas exclusivas para tratamento de dependência química na rede pública do Estado São Paulo, seis vezes mais do que havia em janeiro de 2011, em serviços próprios ou contratados, e que são financiados exclusivamente pelo tesouro estadual.

Além disso, o Estado mantém o “Recomeço Família”, que tem o objetivo de acolher, orientar e apoiar os familiares de dependentes químicos, oferecendo acesso a informações sobre tratamento, palestras, atendimentos individuais e terapia em grupo. Com essa iniciativa, busca-se oferecer recursos para que os familiares do dependente possam obter qualidade de vida e minimizar as chances do desenvolvimento de doenças e transtornos emocionais, decorrentes do impacto da convivência com o familiar dependente químico.

É fundamental que o poder público ofereça oportunidades para que o dependente químico deixe esta condição, por meio de desintoxicação para os casos mais agudos, recuperação e reinserção na sociedade e no mercado de trabalho. Uma etapa de cada vez, sem atropelos, como deve ser.

Ronaldo Laranjeira é psiquiatra, professor titular do departamento de Psiquiatria da Unifesp e coordenador do programa Recomeço, do governo do Estado de São Paulo