Em artigo publicado no Correio Popular Rossini faz uma reflexão sobre o projeto de lei apresentado na Câmara que permite a venda de bebida alcoólica nos estádios de futebol de Campinas. Rossini se posiciona completamente contra essa proposta.

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Veja a íntegra do artigo

A quem interessa a venda de cerveja nos estádios?

Luiz Carlos Rossini

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Para tentar responder a essa pergunta, é preciso contextualizar o tema como forma de avaliar toda a repercussão e o impacto que uma medida como essa, apresentada em forma de projeto de lei na Câmara de Campinas, poderá acarretar. É fato que o consumo de bebida alcoólica no Brasil, especialmente a cerveja, está incrustada em nossos costumes e, diferentemente, de outras sociedades, nossa relação com a bebida alcoólica é muito irresponsável, na medida em que ignoramos ou tentamos relativizar as consequências negativas do uso abusivo do álcool.

Estudos científicos demonstram que o álcool altera o estado emocional, diminui a capacidade crítica e a autocensura das pessoas e, entre outros efeitos, pode liberar a agressividade. O consumo de bebidas alcoólicas está presente ainda nas estatísticas de violência contra a mulher, contra a criança e em grande parte em brigas.

O álcool responde ainda por doenças físicas e psíquicas, sendo um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil. Em Campinas, dados da Emdec confirmam que mais de 50% das mortes no trânsito deveram-se ao uso de bebida alcoólica. Segundo o Portal DataSus, a cada 36 horas, morre no país um jovem por intoxicação alcoólica, e a Síndrome Fetal Alcoólica está presente em muitos recém nascidos, cujas mães beberam durante a gravidez.

Por essas razões o Estado Brasileiro está se tornando mais rigoroso em relação às ações de controle e fiscalização do uso e abuso da bebida alcoólica. O Decreto 6117/07, que instituiu a Política Nacional do Álcool, propõe a redução de pontos de venda e maior rigor no acesso à bebida. Em março de 2015 foi sancionada a Lei 13.106, que estabelece pena de 2 a 4 anos para quem vender ou fornecer bebida alcoólica e outras substâncias que possam causar dependência a menores de 18 anos. Em 23 de setembro deste ano o Congresso Nacional aprovou o aumento da pena de prisão para o motorista alcoolizado que provocar acidente com vítima fatal.

Um movimento de caráter nacional, capitaneado pelo Ministério Público, pretende abolir a propaganda de cerveja da televisão, assim como já ocorre com a propaganda do cigarro. Promotores ainda analisam ações judiciais de inconstitucionalidades contra leis que autorizam a venda de bebidas dentro dos estádios.

No campo do futebol, em 1996 o Estado de São Paulo, por intermédio da Lei 9470, proibiu a venda de bebida alcoólica nos estádios e ginásios e a Lei 10.671/13, que instituiu o Estatuto do Torcedor, estabelece que é vedado portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.

Mesmo durante a vigência da Lei Geral da Copa, período que o Brasil teve que se render aos caprichos da Fifa que permitiu a venda controlada de cerveja, e proibiu qualquer comercialização nos arredores, estabelecia que quem estivesse embriagado deveria ser retirado do espetáculo.

Estudo feito por Maurício Murad, sociólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em três estados após a vigência do Estatuto do Torcedor, confirma a redução significativa dos casos de violência nos estádios: 57% em São Paulo, 63% em Pernambuco e 45% em Minas Gerais.

A psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, classificou a medida como “retrocesso”. Além disso, a associação do consumo de bebida alcoólica ao esporte tem sido apontada como algo nocivo à sociedade e ao desenvolvimento saudável do jovem.

Diante do exposto, voltamos à pergunta: “A quem interessa a venda de bebida alcoólica nos estádios? Talvez a uma pequena parcela de torcedores e aos clubes que poderão ter alguma vantagem financeira. Porém, quem mais se beneficia dessa prática é a indústria da cerveja, como ficou evidente no Seminário Internacional Álcool & Violência realizado maio de 2014 na cidade de São Paulo, que mostrou o “lobby” da indústria do álcool.

Mas se ainda assim não conseguirmos com clareza responder a essa pergunta, resta no âmbito do Legislativo buscar identificar qual o interesse público em se alterar a norma legal que hoje proíbe a venda de cerveja nos estádios e definir de forma objetiva qual a função social dessa proposta.

Essas são algumas das razões pelas quais me posiciono frontalmente contra a venda de qualquer bebida alcoólica nos estádios de futebol. Em defesa dos torcedores, das famílias e do futebol, como esporte e entretenimento saudável, não podemos retroceder nessa questão.

 

Luiz Carlos Rossini

é vereador pelo PV em Campinas, membro do Conselho da Febract, da Pastoral da Sobriedade e vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado de São Paulo.