A estiagem fora de época desnudou a realidade da crise hídrica vivida pelas regiões das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e da Grande São Paulo. Sua origem decorre de três causas: a falta de planejamento, a ausência de um modelo eficaz de gestão dos recursos hídricos e a baixa consciência ambiental dos governos, do setor empresarial e dos cidadãos.
Ficou evidente que o Sistema Cantareira não é suficiente para atender às necessidades atuais e futuras da Região Metropolitana de São Paulo e dos municípios que compõem as Bacias do PCJ nos períodos de seca. Portanto, é imprescindível a redução da dependência daquela região do Cantareira.
A falta de planejamento hídrico é verificada nos processos de desenvolvimento urbano no qual o crescimento desordenado sobre as áreas verdes e de mananciais avançam sem medidas de proteção e preservação, com a impermeabilização do solo e na ausência de investimentos para construção de reservatórios e sistemas adutores.
Apesar de a Bacia do PCJ estar localizada no 3º Parque Industrial do País, com um PIB de 7% e crescimento na ordem de 5% ao ano, há um equívoco na gestão do Sistema Cantareira. A prioridade em momentos de crise deveria ser para as cidades pertencentes à bacia matriz.
Porém, decisões políticas deixam a Bacia do PCJ em segundo plano na distribuição de água, colocando em risco o abastecimento e o desenvolvimento. A gestão da água, de acordo com o gerenciamento de recursos hídricos e segundo tese defendida pela Promotoria Pública, deve ser realizada por bacia hidrográfica, definida de acordo com o curso natural das águas.
As regras do Sistema Cantareira, pactuado na “Outorga de 2004”, se mostraram inadequadas para momentos de cheia quando os municípios a jusante sofreram com enchentes devido à abertura das comportas. Agora, no período de estiagem, quando a utilização do chamado banco de águas permitiu que a Sabesp retirasse um volume superior à vazão mínima estabelecida para a Grande São Paulo, com consequências danosas para muitos municípios do PCJ, obrigados a fazer racionamento e comprometendo o equilíbrio ecológico.
O Ministério Público ainda alerta sobre a não utilização de parâmetros técnicos para a tomada de decisões. Se a decisão fosse técnica, o racionamento de água para a grande São Paulo já deveria ter sido adotado.
A crise provocou seus efeitos. Indústrias suspenderam turnos de produção em virtude da falta de água. A insegurança hídrica é empecilho para investimentos, afetando o desenvolvimento econômico da nossa região.
No entanto, essa mesma crise forçou os governos a tomarem medidas emergenciais. O adiamento da renovação da Outorga mostrou bom senso devido à fragilidade do modelo. A decisão de contratar projeto técnico e estudos de impacto ambiental para as represas no Jaguari e Atibainha, a edição de decreto para desapropriação das áreas necessárias, o início das obras da transposição do Rio São Lourenço para a Grande São Paulo e a proposta de interligação dos reservatórios do Cantareira com o Jaguari na bacia do Rio Paraíba do Sul são medidas importantes, ainda que tardias, para regularização da gestão. Vale destacar outras ações, como o estímulo à redução do consumo de água e a recomendação de reservatórios municipais.
É importante ter em mente que não é o momento de deflagrar uma “guerra” pela água, mas se posicionar de forma justa. O desequilíbrio na oferta de água do Sistema Cantareira é evidente: a região do Alto Tietê, que engloba a região de São Paulo, recebe tratamento diferenciado. Embora as Bacias PCJ façam sua lição de casa, com programas de racionalização, recebem muito menos água do que o Alto Tietê.
Para chamar a atenção, o Conselho Fiscal do Consórcio das Bacias do PCJ, elaborou a “Carta de Campinas”, que entre outras medidas deliberou pela realização de uma manifestação, denominado o “Ato do Cantareira”. O evento constituirá num encontro onde está localizado o reservatório Jaguari/Jacareí e que está com vegetação à mostra no leito da barragem.
Diante disso, diz o ditado popular que “na hora que a água bate na cintura o cidadão se move”. Com a crise foi preciso que a água batesse no tornozelo para que a sociedade acordasse para a gravidade do problema. Cientes de que as mudanças climáticas podem repetir estiagens como essa, é preciso planejamento para que momentos críticos como esse não se repitam.
Luiz Carlos Rossini é vereador, líder do PV, presidente da Comissão de Meio Ambiente na Câmara de Campinas e membro do Conselho Fiscal do Consórcio PCJ.