O psiquiatra e professor titular do departamento de Psiquiatria da Unifesp Ronaldo Laranjeira analisa o Programa Recomeço, método adotado pelo Estado de São Paulo, em relação a dependentes químicos e seus familiares.

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O desafio das drogas e o consumo nas ruas

Ronaldo Laranjeira

O crescente consumo de drogas nas cidades é um fenômeno mundial. Cada vez mais usuários saem às ruas em busca da oferta de drogas e consumo coletivo. Em São Paulo, por exemplo, assistimos ao surgimento de cracolândias em várias regiões da cidade e do Estado.

Em Campos Elíseos, localiza-se a principal delas na capital. O governo do Estado e a prefeitura sempre atuaram no local, muitas vezes de forma integrada, mas nem sempre na mesma direção.

O caminho adotado pelo Estado de São Paulo, em relação a dependentes químicos e seus familiares, foi o de oferecer tratamento médico e apoio social pelo Programa Recomeço. Nele foi estruturada uma rede com 3.000 vagas em comunidades terapêuticas, clínicas e hospitais especializados, em mais de 60 municípios.

O papel crucial da família na luta contra as drogas também foi levado em consideração. Atualmente, por meio do Recomeço Família, os familiares de usuários de drogas recebem orientações sobre tratamento, além de atendimento individual, palestras e terapia em grupo na capital paulista.

A somatória dessas ações resultou em um modelo que apresenta cada vez mais êxitos no combate às drogas, mas que enfrenta desafios. Um dos maiores é a concentração de usuários em pontos de consumo na rua, como a cracolândia.

O grupo nas ruas da cracolândia chega a cerca de mil pessoas. Parte permanece abrigada em barracas improvisadas e parte em hotéis e pensões mantidos pelo programa municipal De Braços Abertos.

A literatura médica é vasta em apontar a influência de fatores ambientais e culturais para o indivíduo se tornar dependente químico ou se livrar das drogas. O local onde o usuário vive, com quem se relaciona e sua rotina, têm correlação fundamental para a recuperação ou manutenção da dependência.

A articulação para reabilitação do usuário é mais favorável se ele está na sua cidade ou bairro de origem, próximo da rede de assistência social, saúde ou de apoio ao mercado de trabalho.

O que se verifica é que a manutenção de dependentes em tratamento no mesmo local do consumo de drogas dificulta sua recuperação e favorece vínculos com ações ilícitas. A demanda concentrada fortalece o tráfico local, que substitui rapidamente criminosos presos e drogas apreendidas.

Diante desse cenário, foi constatada a necessidade de desconcentrar hotéis sociais e a oferta de serviços públicos para que os dependentes fiquem próximos de suas famílias e comunidades de origem, e não aprisionados em cracolândias.

Dessa forma, contando com a participação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, o programa Recomeço entrou em nova fase. A rede de tratamento e apoio às famílias dos usuários de drogas recebeu um grande projeto de prevenção, articulado com municípios e sociedade civil.

Estão sendo fortalecidas as unidades de acolhida e moradias assistidas para abrigar temporariamente usuários em tratamento ambulatorial. Outro ponto fundamental do programa é a parceria com governos municipais, que receberão apoio em ações que visam preservar o espaço público para a comunidade, articulando ações de segurança e favorecendo a recuperação urbanística destas regiões.

Dessa forma, os municípios terão todo o apoio do governo estadual para que, juntos, busquemos os melhores resultados para o desafio das drogas no Estado de São Paulo.

 

Ronaldo Laranjeira é psiquiatra, professor titular do departamento de Psiquiatria da Unifesp e coordenador do programa Recomeço, do governo do Estado de São Paulo.